Nadiane Kruk sobre equidade de gênero e equilíbrio vida-trabalho

Larissa Larissa da Costa / Vídeo de: Celso Fernandes
19 de junho de 2020
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[Histórias e Trajetórias]

Histórias e Trajetórias

Coletânea de entrevistas com artistas, profissionais, empreendedores e outros figuras da nossa comunidade brasileira na Alemanha.

A equipe do BATATOLANDIA teve a grande satisfação de ler o livro 30 horas de Nadiane Kruk e a convidou para um bate-papo online para conversar sobre equidade de gêneros no Brasil e Alemanha e sobre a proposta de equilíbrio de vida entre trabalho, casa e lazer.

Nadiane Kruk é natural de Curitiba, engenheira civil com doutorado pelo ITA, uma das universidades técnicas mais renomadas do país e foi docente nessa universidade até mudar-se com a família para a Alemanha por causa de uma oportunidade de trabalho de seu marido. Chegando em terras germânicas, deparou-se com a dura realidade de muitas mulheres-mães que vivem aqui: a dificuldade de se recolocar no mercado de trabalho após a maternidade. A discrepância das realidades Brasil-Alemanha, a estimulou a pesquisar as causas das desigualdades de gênero nos dois países. O resultado da pesquisa ajudou-a a entender e processar a sua experiência e gerou esse livro muito significativo pelas suas análises e cativante pela forma como escreve, mesclando dados de pesquisa e sua vida pessoal.

Link para o livro

Batatolandia - Celso: Prazer em te conhecer, Nadiane, fiquei muito feliz com o seu contato e por termos a oportunidade de ler o seu livro e conhecer o seu trabalho. A leitura é muito boa, fluida e qualquer pai se identifica facilmente pelo tema abordado. Parabéns pela análise.

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Nadiane: Na verdade eu achei que as mulheres se identificariam mais com o tema, mas estou tendo muito retorno de homens, professores, de ex-alunos, alguns que nem têm filhos ainda, mas já têm essa consciência. Muito bacana receber esse feedback também do público masculino.

Batatolandia – Larissa: Estou acompanhando de perto o êxodo brasileiro nos últimos anos, e diferentemente de quando eu vim para cá, agora são famílias que deixam o nosso país em busca de condições melhores de vida. São famílias de classe média no Brasil, que tinham boas condições de vida, emprego, casa própria, mulheres com suas carreiras, e mesmo assim, deixam tudo para começar do zero no exterior. Que sentimento é esse de deixar tudo no Brasil, a família, os amigos, a casa, e, para as mulheres, a carreira. O quão duro é isso?

Nadiane: Eu acho que quem se propõe a sair, já está no limite de frustração com o país, já perderam a esperança no Brasil e estão dispostos a encarar as dificuldades. No meu caso, quando nós viemos, chegamos primeiramente como expatriados, meu marido veio a trabalho através de um projeto do Brasil, então a ideia inicial, era ficar três anos e voltar. E como eu já havia morado aqui anteriormente, não achava que a nossa adaptação seria tão difícil como foi. Eu acho que muitas mulheres no Brasil não têm a noção das dificuldades que as alemãs têm em voltar ao mercado de trabalho depois da maternidade. 

Batatolandia – Larissa: Por que você acha que no Brasil é mais fácil as mulheres voltarem ao mercado de trabalho depois da maternidade?

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Nadiane: É uma questão estrutural, no Brasil, as mulheres de classe média, têm empregada em casa ou pagam uma creche particular em tempo integral, e com isso, têm uma condição de equidade muito maior do que aqui na Alemanha.

Batatolandia - Larissa: Então por que o Brasil está tão abaixo no ranking de equidade, como você cita no livro?

Nadiane: Porque no Brasil, a grande maioria não tem as condições que a classe média tem. Eu só fui me dar conta dessa condição, depois que comecei essa pesquisa. Comecei a questionar o que me dava condições de trabalhar e construir uma carreira no Brasil e cheguei à conclusão, que lá, as mulheres de classe média terceirizam a criação dos filhos às empregadas domésticas, creches ou outra pessoa. O problema da disparidade dos gêneros não desaparece, ele só é transferido a uma classe inferior.  

Batatolandia – Larissa: E qual é a dificuldade na Alemanha para o retorno das mães ao mercado de trabalho?

Nadiane: Na Alemanha a estrutura é diferente, você não pode contar facilmente com pessoas para ajudar diretamente em casa. Você pode demorar para conseguir uma vaga numa creche e os horários de atendimento são mais reduzidos, o que faz com que muitas mulheres optem por trabalhar meio turno. Por sua vez, os trabalhos de meio turno são mais simples, e não propiciam uma carreira profissional. É muito frustrante. Eu não sei se esta estrutura se dá pelo fato dos alemães fazerem questão de um dos cônjuges acompanhar de perto a criação dos filhos, ou pela falta de estrutura de creches integrais. No Estados da antiga Alemanha Oriental há uma oferta de atendimento mais amplo de creches e lá a disparidade de gênero é muito menor. Essa foi uma herança deixada pelo sistema comunista, mais por uma necessidade de mão de obra do que por propósitos feministas, acredito.

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 Batatolandia – Larissa: Atualmente o acesso às informações é muito mais fácil e rápido e uma pessoa que esteja planejando sair do país pode facilmente se informar sobre a vida no exterior. Mesmo assim o choque é grande?

Nadiane: A maioria das mulheres migrantes não tem o conhecimento desse sistema na Alemanha. E por mais que exista todas essas informações sobre a vida na Alemanha, você acredita que com você vai ser diferente, que você é qualificada e por isso vai conseguir logo se recolocar no mercado. Outra diferença é se você vem com filhos ou sem. Para você ter uma ideia, quando eu vim a primeira vez como estudante, sem filhos, eu recebia muitas oportunidades de trabalho. Dessa vez, com a família, demorou um ano e meio para eu me dar conta que a minha realidade é outra. 

Batatolandia – Larissa: Apesar de todas as dificuldades, você e sua família decidiram permanecer na Alemanha, depois de findado o projeto com o Brasil.

Nadiane: Em 2018 quando nós decidimos ficar aqui, eu já sabia de todas essas dificuldades e mesmo assim, tomamos essa decisão por causa da qualidade de vida e procurando propiciar uma vida melhor para os nossos filhos. Eu, consciente de todas as adversidades, e que eu não voltaria a ter uma carreira profissional como a que eu tinha no Brasil, pedi exoneração do meu trabalho como docente do ITA. Foi muito doído.

Batatolandia – Larissa: A globalização gera oportunidades de trabalhar em outros países, de ter uma experiência no exterior. Geralmente esses cargos são oferecidos a homens, que vão passar um tempo em outro país trabalhando e a família vai atrás. Não é um fenômeno brasileiro, há muitas mulheres de diferentes nacionalidades que deixam suas carreiras e acompanham o marido com a família nessa experiência. Você não acha esse movimento de globalização está indo contra à emancipação feminina? As mulheres lutaram tanto para conquistar seus direitos e agora há o movimento oposto a isso: mulheres voltando ao papel de dona de casa em virtude dessas experiências no exterior.

Nadiane: A primeira razão que conta para isso é a econômica. Geralmente os homens ganham mais e são oferecidos a eles esses cargos no exterior. Isso é uma questão estrutural, em decorrência disso, vem o questionamento: são as mulheres que optam por empregos que pagam menos ou os empregadores pagam menos porque são mulheres, onde está a causa e consequência disso? Esse fenômeno acontece justamente porque não há equidade. Geralmente quem ganha mais é o homem, então é ele que terá as oportunidades de trabalho e as mulheres abdicam de suas carreiras para seguir o marido, porque não teriam condições de manter a família com o salário que ganham.

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Batatolandia - Celso: Quando eu saí do Brasil há muitos anos, eu fazia parte de uma classe privilegiada e não sentia diretamente os efeitos do racismo. Quando eu cheguei na Alemanha, na condição de imigrante, me dei conta de que ele existe e passei a senti-lo na pele, como imigrante latino-americano. Há uns dois anos, mais ou menos, eu percebo que tem um movimento muito grande de empoderamento das mulheres, que eu nunca havia notado antes. Aqui na Alemanha há várias iniciativas de apoio e motivação de mulheres brasileiras. Isso é um movimento novo? Há quanto tempo as mulheres vêm batalhando nessa questão? E se sim, o que está causando isso? 

Nadiane: Assim como você, eu também fazia parte de uma classe privilegiada e nunca tinha sentido os efeitos dessas disparidades, eu não me via com tratamento diferentes dos meus colegas. Eu não sentia isso, não me dava conta dessas diferenças. Foi quando eu vim para cá que eu abri os olhos, que me vi numa condição de migrante, e aí comecei a olhar com outros olhos a estrutura do Brasil. Essa situação no Brasil é muito boa e confortável para a classe média, que pode pagar uma empregada, uma escola particular e que ganha muito bem. Eu via esses movimentos feministas como uma coisa muito distante de mim, nunca achei que eu fosse realmente feminista, o que eu quero é só equidade.

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Batatolandia - Larissa: Vou dar um adendo a tua resposta, quando eu cheguei na Alemanha, eu achei esse movimento de emancipação das mulheres aqui muito mais forte do que no Brasil. Achei que as mulheres falavam muito mais sobre o assunto e discutiam mais do que no Brasil. Eu percebia que aqui já havia uma consciência muito maior nessa questão de equidade. Aqui já se falava no assunto, principalmente na questão de divisão de tarefas domésticas, enquanto no Brasil nunca ninguém contestava a desigualdade salarial ou o trabalho doméstico além do trabalho fora de casa. E aqui eu ouvi essas discussões. Mas o que eu dou razão ao Celso, é que esses movimentos de empoderamento tornaram-se mais populares nos últimos anos, as mulheres começaram a discutir mais, a se unir, a se ajudar. Eu acho que isso que está mais popularizado aqui e no Brasil também. 

Batatolandia - Celso: Como funciona essa comparação salarial entre o homem e a mulher, é uma média geral ou é por cargo e função?

Nadiane: Tem as duas comparações, tem a média geral, que na Alemanha, por exemplo é de 21%. Se você comparar as pessoas com a mesma escolaridade e a mesma função, que é o que se chama de disparidade corrigida, ela é de 6%. Isso quer dizer que a mulher, que senta do teu lado, fazendo a mesma coisa que você, ela pode estar ganhando 6% a menos.

Batatolandia - Celso: E qual é a explicação para isso?

Nadiane: A disparidade geral é mais fácil de entender, porque geralmente os homens exercem cargos mais altos, trabalham em tempo integral, são promovidos com maior facilidade, enquanto muitas mulheres exercem profissões que recebem menos, ou trabalham menos horas. A diferença de 6% pode ser explicada pelo perfil da mulher, que não consegue negociar o salário tão bem quanto os homens. Aqui na Alemanha é comum que o candidato a uma vaga de trabalho tenha que responder a pergunta de quanto ele pretende receber, e os homens, por serem mais audazes, respondem sempre um salário bem alto para ter margem de negociação, enquanto as mulheres tendem a ser mais tímidas e vender o peixe delas por um preço mais baixo. Os homens também são mais ousados na hora de pedir aumento, ao passo que as mulheres se sentem mais desconfortáveis para discutir o assunto ou tomar a iniciativa de pedir um aumento.

Batatolandia – Celso: Tenho que levantar ainda uma questão em relação aos homens: que carregamos esse fardo de “ser o provedor da casa”. Eu conheço muitos homens que não são realizados nas suas profissões, que gostariam de fazer outra coisa que lhes desse mais satisfação, como ser músico, artista, mas que por imposição da sociedade, vivem infelizes nas suas carreiras assumindo o papel de provedor e que sentem ou sentiriam vergonha de ter uma mulher ao seu lado, que, por ventura ganhassem mais que eles. Eu acho que existe também muito homem infeliz justamente por causa dessa estrutura díspar. 

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Batatolandia - Celso: Eu acho a proposta de 30h realmente brilhante. Como você imagina que seria um dia de um casal vivendo nessa proposta de 30 hora de trabalho. Como dividiram trabalho, as tarefas domésticas e o tempo de lazer?

Nadiane: Eu imagino que um poderia começar a trabalhar de manhã bem cedinho de 7 as 13 horas, por exemplo, e o outro depois disso, diminuído assim, a dependência também de serviços extras para cuidados com as crianças. Mas esse modelo é muito idealizado, depende muito da estrutura social do país e da realidade de cada família. Não adianta ter esse modelo vindo de fora, se dentro de casa não houver uma conscientização e real divisão das tarefas domésticas e cuidados com os filhos. Isso é uma idealização, mas, definitivamente, a estrutura do jeito que está, fomenta a desigualdade e disparidade entre homens e mulheres.

Batatolandia – Larissa: Você não acha que essa geração Y está fazendo isso naturalmente, porque é uma geração que não dá mais valor aos bens materiais, eles prezam a sua liberdade e o tempo livre. Eu acredito que essa geração já está naturalmente aplicando esse princípio das 30 horas de trabalho, porque eles já não aceitam mais qualquer proposta, o empregador tem que oferecer uma certa flexibilidade de horário e local de trabalho. Então, eu quero acreditar que essa geração vai mudar alguma coisa.

Nadiane: Sim, eles com certeza criam uma certa pressão, mas ainda não estão nos cargos de gerência, não estão no comando. Talvez eles consigam trazer uma mudança antes dos 250 anos previstos pelo Fórum Econômico Mundial para o alcance de equidade de gênero.

Batatolandia – Celso: Qual a seria o efeito mais importante da aplicação da proposta de 30 horas de trabalho?

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Nadiane: Na Alemanha eu acho importante a proposta de 30 horas para a equidade de gênero, no Brasil eu acho essa proposta necessária para os pais da classe média poderem acompanhar mais de perto o desenvolvimento e crescimento dos filhos. Os problemas são diferentes e acho que essa proposta conseguiria diminuir bastante essas disparidades. Por fim, eu acredito que essa proposta, além de proporcionar um equilíbrio entre a vida profissional e privada, ela também contribui para uma equidade dos gêneros. Esse é o tema central do livro.

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Larissa da Costa
Larissa da Costa
Autor
Vim para a Alemanha em 2002 aventurar-me em terras desconhecidas e a maior delas tornou-se a maternidade, quando, em 2010 virei mãe de um menino e em 2013 de uma menina. Mantenho um blog próprio chamado brasanha.de aonde narro minhas experiências aqui na Alemanha.

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