Série Ausländer - Dois Tipos de Alemão
Sociedade

Série Ausländer - Dois Tipos de Alemão

Celso Celso Fernandes
18 de novembro de 2016

[Série Ausländer]

Série Ausländer

Assuntos relacionados à história de imigração na Alemanha e a nossa condição de suburbano-latino-americano na terra de seres superiores e iluminados.

Ufa!!

Que fim de semana. Acho que engordei uns 10 quilos. Para quem não sabe (e eu sei que ninguém sabe) , está rolando esta semana o festival da Lua. É um festival muito comemorado nos países de cultura chinesa e como eu tenho muitos amigos chineses, passei  o fim de semana todo celebrando com eles. Não existe festa na China que não seja acompanhada de muita comida, então já viu né?

Mas vamos voltar a falar de Alemanha...acho que está na hora de mais um post da nossa Série Ausländer, não? Pois é..nos últimos posts eu falei bastante dos diferentes estrangeiros que vivem aqui na Alemanha, então acho que nada mais justo do que falar um pouco dos alemães agora, né?

Bom... não quero ser racista, mas eu costumo dividir os alemães em duas raças: O alemão antropólogo e o alemão tradicional.  O alemão tradicional pode, então, ser dividido em duas outras sub-raças que eu chamo de alemão da direita (os orientais) e  alemão da esquerda (ocidentais).

Os alemães tradicionais geralmente podem ser encontrados morando entre si em pequenos vilarejos chamados de Dorf. Eles costumam ter pouco contato com estrangeiros e o mais longe que já foram no mundo foi aquela viagem de verão para algum balneário sem-graça na costa norte da Itália. Em geral quanto mais ao leste da Alemanha você for, maior será a sua chance de avistar um alemão tradicional. Acho que a pior coisa que pode acontecer com um  estrangeiro (principalmente se ele não for um norte-Europeu) é se ver preso dentro da casa de um alemão tradicional.

Lembro que eu uma ocasião em 2009, eu fui convidado para o aniversário de um amigo de trabalho. Quando cheguei na casa dele, o churrasco de salsicha já tava bombando no quintal e a casa já estava repleta de familiares e amigos e tal. A casa era uma casa legal, num desses Dorfs da vida e eu era o único estrangeiro. Até hoje eu lembro como todo mundo ficava me olhando com aquele mesmo olhar que todo mundo olha quando um negro entra no ônibus no Rio de Janeiro, por exemplo. Eu cumprimentei todo mundo e fiquei na minha com um leve sorriso no rosto (SEMPRE mantenha um sorriso na Alemanha) e depois de uns 30 ou 40 minutos o primeiro "aventureiro" tomou coragem e veio falar comigo. Lembro que assim que ele começou a conversar, uma nuvem de curiosos começou a surgir mantendo a distância necessária para ouvir a conversa, mas ao mesmo tempo estar fingindo fazer outra coisa. Quando eu falei que era do Brasil, as barreiras caíram consideravelmente e mais pessoas começaram a se aproximar. Quando eles descobriram que eu estudava aqui e não estava apenas de passagem, recebi uma enxurrada de perguntas do tipo:

  • Você é Brasileiro? Mas como você se mantém aqui?
  •  Mas quanto dinheiro você recebe?
  •  Seus pais fazem o que?
  •  Quem paga pelo sua vida aqui? Brasil ou Alemanha?

Aliás... se você é brasileiro(a) e está vindo pra Alemanha...se prepara. Vai responder estas perguntas muitas vezes. De preferência já mande fazer uma camisa com as respostas estampadas em alemão...

Uma outra vivência legal que eu tive com o alemão tradicional foi mais ou menos na primavera de 2010. Uma amiga da minha ex-namorada convidou a gente para almoçar na casa dos pais dela. Detalhe que a menina era definitivamente uma alemã antropóloga: Ela havia vivido 6 meses no Brasil trabalhando numa fazenda no interior bahiano e havia se apaixonado por um maluco de rua do Pelourinho. Tinha tatuagens pelo corpo e trabalhava numa fábrica para juntar dinheiro para ir para o Brasil acampar com o namorado que passava metade do ano internado numa clínica pra viciados em Salvador.  Sem contar que a melhor amiga dele era uma outra alemã lésbica que também estava de partida para o Brasil, aonde tinha uma namorada. Bom...assim começou o nosso dia...os três pontualmente na porta da casa mais tradicional que eu já havia visitado até aquele momento. Logo logo, um senhor de terno com sorriso amarelo abriu a porta e nos convidou a entrar. Na porta da sala esperava uma coroa bem vestida com um sorriso e logo nos ofereceu uma bebida. Antes do almoço ser servido, eu fui ao banheiro para lavar as mãos e foi aí que o dia começou a ficar bizarro.

Na parede atrás da privada havia uma placa de acrílico que dizia: Männer mit Niveau, sitzen auf dem Klo.  Isto basicamente significa que se você é homem de nível, então urine sentado. O melhor de tudo é que a plaquinha era Ausländerfreundlich, pois possuía uma figura riscada mostrando um bonequinho mijando em pé e outra figura sem ser riscada mostrando um bonequinho mijando sentado e os pinguinhos de mijo caindo do piruzinho dele. Ou seja, mesmo que o convidado não falasse alemão, poderia seguir as instruções. A série de instruções não parava por aí. Ao lado da pia havia outra plaquinha com uma seta indicando qual era a toalha para estrangeiros....oopss...convidados e qual era a toalha de "gente de casa". Não preciso dizer que as plaquinhas eram recém instaladas e todas novinhas em folha, preciso? E preciso dizer também que eu mijei em pé e usei a toalha de "gente de casa"? Ahhh... nem preciso, né? Sou suburbano sou Latino Americano, pô....

Destaque também para os comentários durante o almoço. A coroa ficou tão surpresa que a gente sabia o que era raclette e fondue! E eu até fiz biquinho pra dizer "fondue"! No final o saldo foi muito positivo. Alguns dias depois a nossa amiga disse que os pais dela ficaram super encantados com a gente e que nem imaginavam que nós como brasileiros poderíamos ser tão educados! Dessa eu dou risada até hoje. Me pergunto como um casal tão careta pode dar luz a uma filha tão despirocada. Aliás é melhor nem se perguntar...vai ver que a coroa nem é tão careta assim! :-) Agora falando sério.... o cara vestir um terno foi demais...

Ao longo da série eu irei citar mais exemplos do alemão tradicional, porém por enquanto vamos ao alemão antropólogo para o post não ficar tão grande...

O alemão antropólogo é loucura loucura. Na boa, quando eles pegam pesado, eles pegam pesado. Geralmente os representantes desta espécie são pessoas com um longo currículo de viagens e já tiveram bastante contato (positivo) com estrangeiros. O alemão antropólogo pode ser de vários tipos. Ele pode ser um homem (solteiro ou casado) que vai para a África, Tailândia e nordeste do Brasil para "namorar" ou dar de comer as meninas pobres destes países. Ou pode ser uma mulher dançarina de Salsa, que adora aprender espanhol com os alunos do Erasmus. Pode ser também um casal aventureiro que passou férias em terras mais sulistas e sonha em deixar a Alemanha para tentar a sorte em outro continente. Em fim...seja ele como for, a Alemanha está cheia deles. Existe inclusive um programa na TV chamado Goodbye Deutschland que mostra a vida dos alemães que ficaram de saco cheio da vida na Batatolandia e partiram para outro país. E olha...não são poucos não.

Pensando bem, acho que todos os meus amigos alemães são do tipo alemão antropólogo. E quase todos esses já passaram um tempo no Brasil ou são casados com brasileira ou latina. Socializar com esta galera é até uma coisa bem legal, pois eles tem educação européia e alma latina. Eles entendem bem as piadas e entram na brincadeira também. Pra falar a verdade, acho que não sei o que seria de mim se não fosse a ajuda dos meus amigos alemães antropólogos.  Mais lá para o fim da série, eu vou voltar a falar do alemão antropólogo quando for falar de casamento de estrangeiro com alemão. Aliás..eu estou preparando uma surpresa para este post e se der certo vai ficar bem legal!

Agora...você já sabe mais ou menos o que é um alemão tradicional e o que é um alemão antropólogo, né? Então vou aproveitar para encerrar o post com um exemplo do que acontece quando um alemão tradicional tenta dar uma de antropólogo. Sim! Isto acontece de vez enquanto e o resultado é quase sempre desastroso!

No dia que eu fui embora pra China, viajei com um alemão antropólogo cujos pais eram do tipo tradicional ocidental. Ou seja mais abertos... No aeroporto , a mãe do meu colega de trabalho veio me cumprimentar e dizendo:

- Oi! Então você é o Celso?
 
Eu disse:
- Sim. Como vai?
 
Ela falou lá algumas coisas que não lembro e completou:
 - Entao..a namorada do meu filho...A Fraziska...ela morou um ano no México!
 
Eu fiquei ali pensando o que aquilo tinha a ver comigo ou com o assunto que estávamos falando e ao perceber a minha falta de resposta ela disse:
 
- Porque o Michael disse que você é brasileiro, não é? Tudo mais ou menos igual, não é?!
 
Daí eu pensei: perdoou ou não perdoou? Ahhh quer saber? tô indo passar 6 meses longe, nunca mais vou ver esta coroa na vida....fogo nela:
 
- Então... o México fica na América do Norte e o Brasil na América do Sul. Eles falam espanhol e a gente fala português. Eles são Maia e nós somos Tupi. Eles dançam a Cucaracha e nós dançamos Samba. Eles bebem tequila e a gente bebe cachaça. A novela deles é brega e a nossa é moderninha. Mas sim....tirando isso...até que a senhora tem razão...nós somos bem iguais. Tipo polonês e alemão...hehehe.
 
Preciso dizer que depois disso ela esperou 10 segundos e pediu licença pra ir tomar um café? Ahhhh....nem preciso, né? Detalhe...dias depois eu fiquei sabendo que ela é professora de geografia!
 
Bom gente... esse foi mais um post da Série Ausländer. Semana que vem o assunto continua com algumas experiências em boates alemães. Tenham uma ótima semana e não esqueçam de conferir aqui semana que vem.
 
 
 
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Dia da Unidade Alemã
Celso Fernandes
Celso Fernandes
Autor
Engenheiro, empreendedor e programador de fim de semana.  Natural de Petrópolis, RJ. Trinta e poucos anos de idade e há dez anos vivendo na Alemanha. Escreveu o primeiro post no Batatolandia em 2008 e desde então não parou mais.

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