[Histórias e Trajetórias]: A baiana sem medo de ser feliz

Larissa Larissa da Costa / Vídeo de: Celso Fernandes
20 de março de 2020
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[Histórias e Trajetórias]

Histórias e Trajetórias

Coletânea de entrevistas com artistas, profissionais, empreendedores e outros figuras da nossa comunidade brasileira na Alemanha.

Entrevista com Fatima Nascimento sobre a sua trajetória como escritora e editora de livros infantis na Alemanha

Fatima Nascimento é nascida em Salvador da Bahia e mora em Munique na Alemanha há 25 anos. O que a motivou a sair de sua terra natal foi a perspectiva de realizar seus sonhos em terras estrangeiras. Desde que chegou na Alemanha, percorreu um longo caminho até chegar onde está: realizada como educadora infantil, escrevendo, publicando seus próprios livros e participando de feiras internacionais para promovê-los. Nessa entrevista, que foi dada num evento promovido pela Casa do Brasil de Munique, em que o Batatolandia esteve presente, Fatima nos contará um pouco da sua história de vida e laboral na Alemanha.

Casa do Brasil: Como foi que você veio para a Alemanha?

Salvador era pequena para mim, eu tinha o sonho de sair de lá em busca de novas oportunidades. Em Salvador há 25 anos atrás o racismo era muito grande, então as perspectivas de meus objetivos serem realizados naquelas circunstâncias eram 1% ou até menos. Eu como mulher negra da periferia, não via as portas abertas para conquistar o que eu almejava.

Percebi um idioma estrangeiro seria o meio que abriria as portas para eu atingir meus objetivos dai comecei a frequentar um curso de alemão em Salvador.

Casa do Brasil: Foi nesse curso que você teve contato com os alemães que te deram a oportunidade de vir para cá?

Exatamente, através do curso conheci um dos professores alemães, que me convidou para vir trabalhar na Alemanha para construir o primeiro albergue da juventude ecológico da Alemanha, em Munique. E eu vim! Nesse projeto eu trabalhei com pessoas de vários países, e o idioma falado no local de trabalho era inglês. Foi um período muito difícil para mim, eu frequentava aulas de alemão, mas não usava o idioma no local de trabalho, ganhava pouco e tinha que arcar com as minhas despesas. O dinheiro era curto. Eu trabalhei 8 anos nesse albergue, fazia de tudo, desde a derrubar paredes  até trabalho na cozinha. E assim fiquei, conheci meu marido, tive minhas filhas e lá se vão 25 anos. Parece fácil, mas não foi. Passei por fases de grande solidão, tive dificuldade de entrar na sociedade alemã.

Casa do Brasil: Depois que você saiu do albergue você começou sua carreira profissional?

Sim, fiz curso profissionalizante de cuidadora infantil e comecei a trabalhar com crianças. Trabalhei 10 anos como cuidadora de crianças em creche. Nessa época eu fiquei muito doente e foi o que me fez parar para pensar nos sonhos que eu ainda tinha que realizar.

Casa do Brasil: E que sonhos eram esses? 

Um deles foi escrever um livro e fazer o curso de educadora infantil (Erzieherin em alemão, o equivalente a pedagoga infantil no Brasil), para deixar de ser assistente da educadora e me tornar pedagoga infantil.

Casa do Brasil: Então você voltou a estudar para concluir esse curso como educadora infantil?

Sim, para isso eu tive que fazer novamente o ensino médio, porque meus estudos do Brasil não foram reconhecidos. Portanto, eu trabalhava durante o dia, pegava minhas filhas na escola/jardim de infância, ficava com elas até a hora do meu marido chegar e depois ia para a escola profissionalizante à noite, isso durante tres anos, cinco dias por semana. E só depois de concluir o ensino médio na Alemanha é que eu fui para a escola profissionalizante para fazer o curso de pedagoga infantil, de educadora, como é chamado aqui. O curso profissionalizante durou 4 anos. Foram 7 anos de investimento na minha carreira profissional.

Casa do Brasil: Foram sete anos que você teve que abdicar de uma convivência maior com as tuas filhas...

Sim, foi muito duro renunciar à convivência com as minhas filhas durante tanto tempo. Elas me cobravam a presença em casa. Muitas vezes pensei em desistir dos estudos para ficar mais tempo com elas, mas ao mesmo tempo pensava no exemplo que eu estaria dando a elas, em ver como a mãe lutou para mudar a vida e que elas também tem essa possibilidade, mesmo nascidas aqui, elas tem a chance de mudar os caminhos na vida.

Casa do Brasil: Quando você escreveu o primeiro livro?

Eu escrevo já desde a adolescência, mas o meu primeiro livro publicado foi o Die Seerose Alba. Esse livro eu escrevi em alemão quando estava fazendo o curso de Kinderplegerin (cuidadora de crianças). Eu o escrevi para uma das disciplinas do curso em 2003.

Casa do Brasil: Quando você decidiu publicá-lo?

Quando eu estive doente, decidi realizar o projeto de publicar meu livro, mas isso só aconteceu depois de 10 anos de escrito. 

Casa do Brasil: Como foi feita a confecção do livro?

As ilustrações do livro foram feitas por mim e minha filha, é uma colagem, por isso tenho um carinho muito especial por ele. E em alemão porque trabalhava com crianças na creche na língua alemã.

Casa do Brasil: E só depois você o traduziu para o português?

Exatamente, eu o escrevi em alemão, e um dia eu recebi um email da Andréa Menescal me convidando para trabalhar com ela, para fazer uma leitura para crianças brasileiras, portanto, em português. Eu fiquei muito surpresa com o convite, pois nunca havia pensado na possibilidade de usá-lo como material de trabalho em português. A Andréa me incentivou a traduzi-lo e apresentá-lo à comunidade brasileira. E o livro fez um sucesso enorme. Eu comecei a fazer várias leituras do livro, comecei a viajar com a Mala de Herança, com o apoio da Andréa Menescal.

Casa do Brasil: Como é a receptividade dos seus livros no mercado?

A primeira edição do livro Die Seerose Alba não foi vendida comercialmente em livrarias, pois uma das exigências para a venda de livros infantis na Alemanha é que eles sejam publicados com capa dura, e a primeira edição não cobria esse requisito. Portanto, eu estou relançando-o agora, em alemão, com capa dura, que poderá ser comercializado em livrarias.

Já o mesmo título em português, “Alba, a vitória-régia”, eu vendi desde o princípio bastante quando fazia as leituras para o público brasileiro.

Casa do Brasil: Quais os passos para publicar um livro na Alemanha?

Depois de você escrever o texto, é essencial você dá-lo a sua família e amigos para ler e fazerem seus comentários, críticas, dizer o que gostou o que não gostou. Recomendo também dar o texto para um revisor qualificado, para o livro saia de forma profissional. Se você trabalhar com ilustrações, no caso dos livros infantis, você precisa contratar alguém que faça as ilustrações para o livro.

Depois do livro escrito, você precisa de uma editora para publicá-lo, e para isso existem muitas alternativas, como as plataformas existentes na internet, as editoras tradicionais e o caminho que eu segui, abrindo a minha própria editora.

Casa do Brasil: E por que com uma editora própria?

O motivo de eu fazê-lo através da minha própria editora é que eu não queria perder tempo procurando uma editora para publicá-lo. O caminho para abrir o próprio negócio também é difícil, mas eu achei que seria a melhor opção para mim. A editora Fafalag eu abri em julho de 2013 e é uma Einzelpersonunternehmen, uma editora independente. Eu só posso publicar livros de minha autoria. Se eu publicar livros de outros autores, eu passaria a ser uma pequena editora, e pagaria mais impostos. 

Casa do Brasil: Onde é feita a impressão dos livros?

A impressão dos livros é feita numa gráfica contratada por mim. Eu mando o material pronto para a gráfica e encomendo o lote de um determinado livro, pago por esse custo e recebo os livros prontos da gráfica.

Casa do Brasil: O que ainda é necessário para a publicação de um livro?

Para você lançar um livro no mercado, é necessário um número de identificação internacional do livro, o ISBN e para adquiri-lo você precisa comprá-lo. Esse é o DNA do livro, com esse número um livro poderá ser achado em qualquer lugar no mundo.

Depois da aquisição do ISBN é preciso registrá-lo nas bibliotecas públicas estadual e nacional alemãs. A estadual é em Munique, a nacional em Frankfurt. Para isso você tem que enviar dois exemplares do livro e eles fazem o registro gratuitamente.

Casa do Brasil: Existem regras a serem observadas para a publicação de um livro?

Sim, existem várias regras a serem observadas antes da publicação, elas estão definidas na na Börsenverein des Deutschen Buchhandels .Essas normas regram, por exemplo, se o título já existe, se as ilustrações do livro podem ser publicadas e mais uma série de requisitos.

Casa do Brasil: Como funciona a questão dos direitos autorais?

Para que o seu livro tenha seus direitos autorais protegidos, é necessário registrá-lo na VG WORT que é a instituição de proteção aos direitos autorais de manuscritos. Também VLB ( Das Verzeichnis lifeferbarer Bücher),  esse registro custa dinheiro, mas com isso seu livro está cadastrado nos catálogos de livros na Alemanha e passará a ter mais visibilidade.

Casa do Brasil: Como é realizada a comercialização das suas obras?

Eu mesmo faço a venda das minhas obras. Eu não trabalho com distribuidores, pois isso também gera um custo. Meus livros podem ser pedidos em qualquer livraria, pois está registrado no cadastro geral de livros. Quando eu recebo um pedido de uma livraria, eu mesmo me encarrego de enviar o livro até ela. Em algumas livrarias pequenas é possível encontrar minhas obras para venda. 

Casa do Brasil: Quantos livros você já tem publicados?

Cinco:  Alba die Seerose, Alba a vitória-régia,  A Magia do Natal, Gregor und das Ei, Minha Baianidade Nagô (poemas) e duas coletâneas que fiz com organização de outras pessoas, “ Coletânea Outono Literário”2018 e  “Reedificações – Histórias de mulheres brasileiras que se reinventaram pelo mundo”2019.

Casa do Brasil: Como você faz a publicidade das suas obras?

Eu faço muitas leituras e participo de feiras. Já participei de muitas feiras em estandes coletivos com outras editoras e em 2019 tive meu próprio estande na feira do livro de Frankfurt. Também fui convidada pela Ministério de Economia da Baviera (Bayerisches Staatsministerium für Wirtschaft), para participar do estande coletivo de editoras independentes na Feira Internacional de Bologna. Esse ano fui novamente convidada para participar dessa feira.

Casa do Brasil: E quais são os planos para o futuro?

O plano para o futuro é lançar o livro A Magia do Natal bilingue, em português e alemão, será um livro de capa dura para poder ser comercializado na Alemanha. Gostaria também de lançar o livro Gregor und das Ei na versão em português.

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Larissa da Costa
Larissa da Costa
Autor
Vim para a Alemanha em 2002 aventurar-me em terras desconhecidas e a maior delas tornou-se a maternidade, quando, em 2010 virei mãe de um menino e em 2013 de uma menina. Mantenho um blog próprio chamado brasanha.de aonde narro minhas experiências aqui na Alemanha.

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