Memórias de Migração com Rita de Cássia Maurício Przygodda
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Memórias de Migração com Rita de Cássia Maurício Przygodda

Batatolandia Batatolandia Admin
30 de maio de 2022

Imagem: Rita de Cássia Maurício Przygodda

[Histórias e Trajetórias]

Histórias e Trajetórias

Coletânea de entrevistas com artistas, profissionais, empreendedores e outros figuras da nossa comunidade brasileira na Alemanha.

Rita de Cássia Maurício Przygodda é uma assistente social e escritora baiana que veio para Munique nos fins da década de 70. Assim como muitos outros brasileiros e brasileiras que fazem essa jornada, a trajetória dela é repleta de obstáculos e histórias de superação. O que faz da caminhada de Rita tão mais incrível são as mais de quatro décadas de experiência e as formas generosas com as quais ela compartilha o seu conhecimento adquirido ao longo desse tempo.

No seu livro “Memórias de Migração: enfrentando e vencendo desafios”, Rita escreve sobre suas origens e sobre a quase improvável sequência de acontecimentos que a levou de  uma pequena cidade no Recôncavo Baiano  até Munique. O livro é apenas o primeiro de uma coletânea que promete narrar as histórias de diversas mulheres imigrantes brasileiras na Alemanha.

Em abril, tivemos o privilégio de conversar com Rita na ocasião do lançamento oficial do livro. Como não poderia deixar de ser, o bate-papo rendeu e acentuou ainda mais a admiração que esta redação tem pelo dom da comunidade brasileira de se reinventar, plantar e brotar até nas terras mais frias. 

Como adquirir o livro?

O livro esta à venda no Brasil e na Alemanha. No Brasil, entre em contato com [email protected].

Na Alemanha, entre em contato com a própria autora através do Instagram @ritaprzygodda ou através do email [email protected] ou através do site da editora Kiener (Kiener Verlag).

Quais motivos te trouxeram para a Alemanha e quais foram as diferenças mais marcantes entre a sua vida no Brasil e a sua nova vida em Munique?

Muitas foram as experiências marcantes em relação às estações do ano, em relação à mentalidade das pessoas etc. A primeira diferença mais marcante foi a climática. Saí de lá (Salvador) em dezembro, no auge do verão e quando cheguei em Munique era inverno com muita neve, como nunca mais vi. Senti um frio que jamais imaginei sentir. Foi como se eu tivesse entrado num freezer e alguém tivesse fechado a porta!

O rosto das pessoas nas ruas, a postura delas voltadas para o chão por causa do vento e do frio... A natureza, a meu ver, parecia morta. As roupas, os cobertores... Dormíamos em Salvador com um pequeno e fino lençol e ainda sentíamos calor. Nunca irei me esquecer do primeiro inverno que passei aqui. Mas quando a primavera chegou, pude ver a transformação sazonal na fauna e na flora e fiquei encantada com o espetáculo da natureza!

Nas minhas idas e vindas eu percebia o tempo passando e o quanto eu também tudo estava mudando. E essas mudanças também eram percebidas pelas pessoas que eu havia deixado para trás, com as quais eu convivia. E isso me fazia sentir como uma estrangeira no meu país, na minha família, com meus amigos.

Com o tempo, percebi que a minha forma de pensar, de falar, de me expressar foi mudando. As mudanças refletem também no nosso comportamento, na nossa alta ou baixa estima. A experiência de não poder me expressar por muito tempo como uma pessoa independente e integrada me deixava insegura, seja em relação aos familiares e amigos do meu marido, como no dia a dia no meu trabalho nos órgãos públicos.

Quando voltamos para o nosso país de origem já não encontramos mais o que deixamos, nada mais está como antes e de uma forma ou de outra, perdemos nosso lugar, ele não está mais na sociedade que deixamos para trás. Por outro lado, se permitirmos nos abrir para a nova realidade, ganharemos muito!

Comente um pouco sobre como você lidava com as suas dificuldades iniciais na Alemanha. O que foi preciso acontecer para que você se sentisse à vontade no país? Comente a sua sensação de parecer criança e depender demais do seu marido

Eu era muito tímida e insegura na interação com os alemães. Apesar de ter sido tratada sempre com respeito, a minha sensação era a de que as pessoas não tinham coragem de conversar comigo além de um pequeno small talk.

Eu convivia com pessoas do mundo cinematográfico na Alemanha. Fiz muitas viagens com meu marido acompanhando-o durante seu trabalho de montagem, tanto na Alemanha como no exterior. As conversas eram quase sempre em torno de temas intelectuais, muitas vezes complexos, os quais eu não conseguia entender muito bem, certamente dificultado por eu não falar muito bem o alemão, me fazendo crer que não tinha capacidade intelectual para tal.

Inicialmente, estar em ambientes com pessoas que não conhecia e com as quais era muito difícil dialogar por causa da língua, tornavam para mim esses momentos muito tensos. Peter, meu marido, precisava estar perto para eu me sentir segura, era necessário que ele traduzisse tudo o que eu queria dizer. Por outro lado, ele viajava muito e quando a minha filha ingressou na vida escolar, eu já não podia acompanhá-lo mais com tanta frequência.

Nosso relacionamento, com o passar do tempo teve as dificuldades, normais de um casamento, principalmente quando é bicultural. Mas, a solidão que eu sentia com um marido viajante se fez presente muitas vezes o que me levou a fugir, quando podia, para o Brasil. Um ciclo vicioso que retardou a minha integração de fato à Alemanha.

A segurança veio através do estudo, da informação, dos amigos que escolhi para serem meus amigos. Fui me sentindo com uma certa autonomia quando comecei a me ver como uma pessoa independente do meu marido.

Depois que comecei a falar alemão, fui ficando mais confiante, mais ousada e percebendo as diferenças de mentalidade e questionava comportamentos dele os quais eu não entendia. O casamento e a nossa relação passaram por muitos altos e baixos. Só depois de muitos anos, na maturidade, encontramos a nossa forma de conviver mesmo apesar das diferenças culturais.

Você chegou na Alemanha muito antes da maioria dos brasileiros que hoje moram por aqui. Quais mudanças você observou na forma como os alemães recebem e percebem os estrangeiros ao longo das décadas?

Antigamente achávamos que o povo brasileiro tinha um lugar especial na Alemanha. O contentamento era visível quando dizíamos ser imigrante brasileiro, o que me fez sentir acolhida. O Brasil transmitia uma imagem encantadora, mágica.

Hoje, tenho a impressão de que os estereótipos no que se diz a respeito da mulher brasileira, ao futebol e ao Carnaval já não são mais como antigamente. O mito do país “globeleza” e do convívio pacífico entre as diferentes classes da sociedade brasileira já não existe mais, principalmente na realidade atual.

A quantidade de estrangeiros, de um modo geral, naqueles tempos era menor e penso que isso pode ter contribuído para uma maior tolerância em relação a eles. Havia mais abertura, e éramos de certa forma exóticos “agradáveis”. A música brasileira sempre foi motivo de alegria e, a meu ver, era um meio de aproximação das diferentes culturas. O que se percebia é que a mentalidade e o jeito sisudo dos alemães juntando ao jeito extrovertido dos brasileiros, dava uma boa salada ou um bom samba!

Muitos casamentos e uniões deram certo por isso, mas outros tantos, não deram justamente por isso. Ainda hoje, mesmo com toda a discussão de que o barco já está há muito tempo cheio, percebo uma maior aceitação por eu ser brasileira do que se eu dissesse que venho de um país africano, por exemplo.

São 42 anos desde que saí do Brasil. Presenciei mudanças em governos, na sociedade e nos dois países. As sociedades mudaram, o mundo mudou. As distâncias ficaram menores através da globalização, a mobilidade e o acesso ao consumo aumentaram e com isso hoje temos produtos de consumo que não tínhamos quando cheguei na Alemanha.

Para comprar um feijão preto, uma farinha, uma banana da terra era quase que impossível, hoje encontramos estes produtos em cada esquina nas lojas asiáticas ou africanas.

No seu trabalho de assistente social você adquiriu muita experiência auxiliando imigrantes e refugiados do mundo inteiro. Quais são as diferenças do imigrante brasileiro para os outros imigrantes que você viu chegar por aqui ao longo dos anos?

Uma das maiores diferenças entre os imigrantes com os quais eu trabalho e os imigrantes brasileiros é que a grande maioria dos primeiros, teve que deixar o seu país involuntariamente, seja por motivos de guerra ou de pobreza, por catástrofes climáticas, ou fuga por motivos políticos.

A vida dos refugiados que vem pedir asilo tem uma outra dinâmica e o processo de chegada ou de partida, pelo fato de pedidos que não foram aceitos, é diferente da migração dos brasileiros que vem por casamento, estudo ou trabalho. Aqueles que vieram como turistas e resolvem ficar ilegalmente, sofrem a dor de não poderem viver uma vida digna.

A força motivadora tanto de um quanto do outro é a esperança por uma vida melhor do que aquela que estava vivendo em seu país de origem. No caso dos brasileiros, a viagem para a Alemanha foi planejada com certa antecedência. A visita ao país de origem, mesmo que leve alguns anos, está geralmente atrelada às férias e ao lazer.

Para a grande maioria dos imigrantes, ou refugiados, não será possível voltar, por muito tempo, ao seu país. Seja porque os países foram destruídos por guerra ou por sistemas políticos fundamentalistas que os impedem de voltar - como por exemplo Iraque, Afeganistão, Sudão, etc - ou porque ainda não possuem a liberdade de mobilidade pelo fato de ainda não terem visto permanente na Alemanha.

Você deixou claro que uma das suas metas principais era estudar trabalhar com assistência social. Na sua opinião, qual a importância de estabelecer metas e objetivos para si própria ao imigrar para um novo país? Qual efeito isso teve no seu sucesso da adaptação?

Realmente, acho que o que contribuiu para o meu desenvolvimento pessoal, a minha identidade como migrante e a minha autoestima foi o estudo. Conclui o curso de alemão com o Kleines Deutsches Sprachdiplom (KDS) no Goethe. Fiquei muito orgulhosa, como também o meu marido, de ter conseguido vencer aquele grande desafio.

Com o conhecimento veio a coragem de continuar e buscar novos horizontes. Viajei para alguns países, inclusive para o Brasil, durante o meu curso com uma equipe de voluntários de profissionais da área cinematográfica, que tinham como objetivo contribuir de alguma forma na luta contra a pobreza e a desigualdade no mundo.

Percebi durante aquele período que era aquilo que eu queria continuar fazendo para o resto da minha vida. A cada ano eu melhorava o meu alemão, conseguia me expressar e opinar melhor, perdendo o medo de falar algo errado. O meu lema se tornou: mesmo que eu caia, eu me levanto, vou tentando, lutando, vivendo, persistindo, enfrentando e vencendo os desafios!

No livro você narra dificuldades imensas como a separação da família adaptação na Alemanha, a perda de um filho, a sua quase morte e as complicações de parto. Com tantas dificuldades próprias, de onde você tirava a motivação para ainda realizar o seu trabalho como assistente social?

A motivação vem da certeza de que não estou só e que sempre terei essa força que me faz continuar. Eu acredito que sou filha de um Deus e que me dá, como a cada um, todos os dias a grande chance de respirar, de viver. A força é intrínseca, vem de lá de dentro e ela está em mim. Às vezes mais, às vezes menos, mas ela está em mim!

Falando do seu novo livro. Ele é a primeira parte de uma coletânea de relatos de imigrantes brasileiras na Alemanha. De onde surgiu a ideia e há quanto tempo você está trabalhando neste projeto?

A ideia desse projeto surgiu a partir de questões e reflexões que sempre me fiz, sobre autoconhecimento; sobre origem e identidade do Ser; de onde venho, para onde vou? Busquei alguns seminários em Munique sobre biografias – aqui estão mais ligados ao trabalho com a ancestralidade. Mas queria ir mais fundo na questão sobre autoconhecimento, primeiramente individual e seguida pela minha realidade migratória.

Até que há dois anos atrás uma das minhas irmãs que moravam aqui em Munique faleceu de forma trágica e inesperada no Brasil. O chão abriu-se para mim e toda a minha família, pela nossa dor imensurável. A partir dessa situação decidi que minha vida teria que ser mais voltada para mim mesma, ampliar meu autoconhecimento, me fortalecer e poder com isso ajudar outras pessoas.

Passei a viver o aqui e o agora de uma forma mais consciente. Durante uma conversa com uma amiga de São Paulo, a Beatriz Azevedo da Espaço Conhecimento – que há mais de 20 anos realiza um trabalho com memórias familiares -, resolvemos nos juntar e daí nasceu a ideia para a coleção “Memórias da Migração”.

Como tem sido a receptividade na comunidade brasileira? As pessoas estão abertas para escrever e falar sobre suas dificuldades e suas trajetórias?

A receptividade foi ótima. Nos três eventos de lançamento os participantes foram muito acolhedores com nossa Coletânea. Foi muito bom ouvir o quanto há pessoas torcendo por nossa iniciativa, que querem conhecer outras histórias de pessoas que também enfrentaram e venceram os desafios da migração e estão muito curiosas com os próximos livros. E a boa notícia é que já temos algumas mulheres que querem compartilhar a sua história. Estou muito feliz com isso!

Você tem uma longa trajetória e já viveu muitas situações ao longo dessa caminhada. Lendo o seu livro, parece que você ainda tem muito a contribuir. Quais outros projetos você ainda espera realizar?

É verdade, tenho projetos em andamento e me empenharei para realizar muitos outros.

Quero continuar contribuindo em parcerias tanto na Alemanha quanto no Brasil em projetos que tratem da temática de pessoas que lutam pela sobrevivencia e enfrentam diariamente os desafios oriundos das dificuldades nas sociedades atuais.

Como falei, quero lançar algumas histórias que escrevi. Vou construir meu espaço para ajudar pessoas em seu autoconhecimento, bem como ampliar meus estudos sobre a Identidade do Ser - na perspectiva da evolução do homem, de sua caminhada para a espiritualidade, na busca de sua essência que é ser um Ser Humano Integral, Divino, Espiritual.

Quero possibilitar o autoconhecimento e a autoestima para muitas pessoas, pois creio que isto nos levará, mais do que a entender nós mesmos, entender o outro, para que assim possamos viver e conviver melhor com nossas famílias e em sociedade.

Meu maior desejo é aprofundar meus estudos sobre a evolução humana, em sua caminhada como Seres Divinos!

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Este site começou em uma manhã ensolarada, lá em 2008, com o intuito de compartilhar experiências com outras pessoas que talvez, estivessem passando pelo mesmo labirinto de adaptação, característico a tamanha mudança cultural.

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