Alguns perrengues que eu já passei na Alemanha
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Alguns perrengues que eu já passei na Alemanha

Celso Celso Fernandes
12 de setembro de 2012

Ultimamente ando sentindo saudade de tudo mais. Pensando no que passou e planejando o que ainda estar por vir. Todo este saudosismo me faz pensar e até sentir um pouco de falta dos tempos difíceis que enfrentei aqui na Alemanha. Hoje, 5 anos após a minha chegada, eu domino bem o idioma, tenho uma renda estável e uma vida até muito legal aqui na Batatolandia, mas não foi sempre assim. Pra falar a verdade eu passeio muito perrengue aqui deste lado do Atlântico e perdi a conta das vezes que quase voltei correndo pra casa!

A minha série de perrengues começou desde o meu primeiro dia aqui. Eu lembro que cheguei aqui com a minha ex-namorada e (mais) duas malas, nós não tínhamos muito dinheiro e todos os gastos precisavam ser cautelosamente calculados. Lembro que não tínhamos aonde morar e passamos a primeira semana numa pensão nos arredores de Braunschweig. Tivemos que correr para arrumar um apartamento, pois era muito mais barato pagar aluguel do que pagar a diária da pensão. Todos os dias da primeira semana acordávamos com o raiar do dia e sem falar uma palavra de alemão pegávamos o trem rumo a Braunschweig para correr atrás de apartamento. Por sorte 3 dias depois arrumamos um apartamento num condomínio de estudantes maravilhoso e ficamos super animados. Eu entendi apenas 15% do que o proprietário falou, mas entendi que poderíamos mudar dois dias depois numa sexta-feira. Bom sexta-feira chegou, fechamos a reserva na pensão e arrastamos as malas até Braunschweig.

Chegamos já no meio do dia e que dia! Logo descobri que não poderíamos mudar naquele dia. O proprietário queria apenas que assinássemos um pré-contrato. Na verdade o apartamento ficaria livre apenas um mês depois! Desesperados, sem saber o que fazer, com duas malas na mão e sem lugar para passar a noite, saímos novamente pela cidade e batemos na porta do último apartamento que restava para ver. Infelizmente este edifício era horrível, fedia e tinha um aspecto estranho. De 2 em 2 minutos entrava e saía alguém e o zelador era um russo que fumava um cigarro atrás do outro. Como não tínhamos muita opção acabamos ficando com o micro apartamento de 16 m2. Lembro que toda vez que eu entrava e saía do corredor eu prendia a respiração para não respirar aquele ar velho horrível! Na primeira noite não tínhamos cama, nem panelas e nem nada. A solução foi ir ao mercado e comprar umas sopas enlatadas que esquentamos diretamente na chapa do fogão que nem dois mendigos. Lembro que dormimos no chão aquela noite e eu acordei quebrado no dia seguinte. Ai Ai...

Aqui na Alemanha você logo percebe que não mora bem quando olha os nomes nas caixinhas de correio e percebe que de 200 caixas, talvez uma ou duas tem nome de alemão. Além do mais em toda situação em que eu precisava fornecer o meu endereço, as pessoas já completavam pra mim antes mesmo de eu terminar a falar o número. Parece que o tal edifício era conhecido na cidade. Perdi a conta de quantas vezes a polícia aparecia na porta e numa tarde chuvosa cheguei no saguão do prédio e percebi que ele estava especialmente fedido. Daí dei de cara com o zelador que estava passando bom ar no andar inteiro. Ele olhou pra mim, botou a mão no nariz e disse com um forte sotaque russo: gestorben im Zimmer. Zwei Wochen. Se você não sabe o que isso significa, melhor pra você. Eu mesmo preferi não ter entendido na época. Algumas semanas depois bate um cara na minha porta as 23 horas e não desiste. Daí eu fui abrir a porta e lá no corredor estava um careca de quase dois metros de altitude querendo saber se eu tinha papel de enrolar. Foi aí que eu comecei a ficar preocupado com a minha segurança. Nós já tínhamos decidido ficar ali apenas até o outro apê vagar, porém a casa dos horrores ainda nos reservaria uma última surpresa...

Logo na nossa primeira semana aqui conhecemos uma brasileira que era casada com um alemão que trabalha na polícia. Como ele era um cara bem legal, eu decidi perguntar pra ele sobre a situação do prédio. Ele imediatamente pegou o celular, fez umas ligações para uns amigos da polícia e me disse o seguinte: Apartamento não boa gente. Ladrão, prostitutas, drogas. Mas não perigoso. Não favela no Rio. Nem é preciso dizer que as únicas palavras que registrei foram Ladrão, prostitutas e drogas, né? 

No dia seguinte eu voei direto no escritório do zelador e disse que mudaria para outro lugar uma semana depois. Ele olhou pra mim confuso e disse que não era possível, pois no contrato está previsto um aviso prévio de 3 meses. Ou seja, eu poderia mudar apenas 3 meses depois a partir daquele momento! Brother...eu quase caí para atrás. Juro que minha cabeça ficou mais leve e eu ouvi um piiiiiii nos meus ouvidos. O desânimo foi realmente total. Se eu me mudasse ele ficaria com o meu depósito e eu precisava muito daquele depósito. Foi assim que nós acabamos ficando mais 3 meses no maior pulgueiro da cidade, mas no final nos mudamos para o tal condomínio de estudantes em tempo de passar o ano novo em ares bem mais frescos.

Apesar da situação de moradia ter melhorado, não foi o fim dos perrengues. Muitos outros vieram, mas isto é assunto pra outra estória. :-)

Vou ficando por aqui. Amanhã é dia de acordar cedo e com o chegar do outono, a palavra "cedo" tá começando a tomar uma forma cada vez mais cavernosa. Esta semana os termômetros já estão marcando temperaturas de um dígito na parte da manhã e a tendência é piorar!

Desejo a todos uma excelente semana. Nos vemos em breve no segundo post da série Ausländer.

 
 
Série Ausländer - Piloto
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Celso Fernandes
Celso Fernandes
Autor
Engenheiro, empreendedor e programador de fim de semana.  Natural de Petrópolis, RJ. Trinta e poucos anos de idade e há dez anos vivendo na Alemanha. Escreveu o primeiro post no Batatolandia em 2008 e desde então não parou mais.

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